sábado, 12 de março de 2011

Do verbo “desenhar”.

“Se eu tivesse papel e lápis agora, desenharia um círculo e traços saindo dele. Esse círculo seria o que estou vendo: um casal de idosos. Eles andam de mãos dadas como se isso soasse uma música aos ouvidos de quem os vêem. Transbordam serenidade, inocência e jovialidade. Os traços representariam justamente isso, a canção de duas vidas. Almas sem rugas, jamais envelhecidas pelas dificuldades do passado.
Mamãe sabe muito bem o quanto gosto de desenhar, se aborrece quando estamos em algum local e eu ignoro tudo na primeira oportunidade e sento para fazê-lo. Então quando voltamos a caminhar e temos o nosso pequeno diálogo “você parou para desenhar isso, Lydia?” “sim mamãe, não é lindo?”, ela faz que sim com a cabeça e eu sei que aquilo não faz sentido algum a ela. Somente ─ e sempre ─ a mim. Certo dia ao fazer um rabisco em minha parede ela foi me chamar para jantar. Me pegou no pulo e sem pensar duas vezes começou: “mas que diabos é isso agora? Riscando até a parede, senhorita? Não ache que eu e o seu pai vamos pagar para alguém tirar essa coisa horrorosa depois. Trate de limpar ou ficará assim até você começar a trabalhar e pagar com seu dinheiro!”, dei de ombros: “tudo bem, mamãe”. Isso mesmo, mamãe não sabe o que há atrás de cada ─ o que ela julga ─ “risco”. E prefiro que, por enquanto, só eu saiba.
Neste mesmo dia da parede, ela resolveu falar pro papai e acabou fazendo-me subir mais cedo que o normal. Ele não dá a mínima para pequenas coisas, mamãe sabe disso e tenta fazer com que papai se importe, após inúmeras tentativas em vão se irrita e resolve me irritar para não se sentir solitária. O certo é que isso rende alguns desenhos que em sua maioria são tentativas de fazer uma espada. E aí meu pensamento vai a épocas que me recordo mas não vivi. Leão, espadas e armaduras: uma guerra em minha cabeça. Aos poucos a mente cansa e volto a desenhar, por vezes ursos ou bigodes.
(Ir ao fundo, profundo,
Sono, mergulho.
Desenhos. O mar, tão fácil de desenhar.
Difícil é nadar.
Tudo, sentido, nada.
Procura-me ela, encontra o vazio.
Um dia uma carta te envio.)”
Lydia.

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